Existem alguns filmes que nos proporcionam uma experiência totalmente diferente do que estamos acostumados a encontrar nas salas de cinema, nos levando a experimentar a barreira primária dos sentidos e nos levar a reflexões profundas sobre o que o diretor realmente quis contar com a história daquele filme. E é exatamente isso que o público que for conferir o mais novo longa dirigido pelo mexicano Alejandro González Iñarritu vai encontrar. O Regresso mostra a evolução de um diretor e de um ator e nos entrega uma história profunda e densa.
A trama narra a
história de Hugh Glass (Leonardo DiCaprio), que parte para o oeste americano
disposto a ganhar dinheiro caçando. Atacado por um urso, fica seriamente ferido
e é abandonado à própria sorte pelo parceiro John Fitzgerald (Tom Hardy), que
ainda rouba seus pertences. Entretanto, mesmo com toda adversidade, Glass
consegue sobreviver e inicia uma árdua jornada em busca de vingança.
Alejandro
González Iñarritu consegue com maestria nos entregar um trabalho muito mais
primoroso que o seu anterior filme, Birdman.
O diretor mexicano que começou nos entregando uma obra cruel e realista sobre a
vida mexicana lá em 2000, nos surpreende novamente com O Regresso.
O roteiro do
longa não tem muito o que ser comentado, a não ser a inusitada parceria de
Alejandro González Iñarritu e o roteirista Mark Smith (que antes havia apenas
desenvolvido os roteiros do fraco suspense Temos
Vagas e do fantasioso O Buraco).
A história de O Regresso é realmente
simples durante a jornada de Hugh Glass até porque a real história que o longa
quer passar é sobre o homem vs a natureza. Como ele se portaria a diferentes
adversidades apresentadas e manteria o lado selvagem que todos temos ocultado.
A grande aposta
do roteiro do longa é em sua primeira parte, já que o segundo ato é um marasmo
total após o abandono de Glass. Nessa
primeira parte, o diretor nos entrega a ação fenomenal em cenas de batalhas
sangrentas e violentas, além da apresentação dos principais personagens e a
definição de cada um na trama de O
Regresso, porém essa última é lentamente desconstruída ao longo do filme.
Os personagens são bastante complexos principalmente nas situações que eles se
encontram e a necessidade de linhas de dialogos para explicar o que está
acontecendo não é muitas. Sobre os personagens, o que acaba acontecendo é que
os roteiristas deixar escapar a oportunidade de desenvolve-los no segundo ato,
fica aquela sensação que tudo que precisavamos saber sobre eles acaba no final
do primeiro ato e presos no mesmo conflito. Os que mais sofrem com esse
problema são os personagens de Leonardo DiCaprio e o do jovem ator Will
Poulter.
Iñarritu decide
mostrar através de flashbacks um
passado um tanto quanto “misterioso” na vida de Glass. Esse “misterioso”
deve-se ao fato de ficarmos nos perguntando se aquilo realmente aconteceu ou
não, já que essas alucinações acontecem na maior parte do longa em momentos de
delirios ou sonhos. Nele descobrimos que Hugh teve um filho, Hank, com uma
índia da tribo Pawnee. Ess parte da trama que traz os índios é narrado todo em
uma subtrama mal desenvolvida no decorrer do longa.
Essa subtrama
narra a busca dos índios Arikas pela filha de um ancião, a Powaqa. Apesar dessa
parte se encaixar bem no filme, ela acaba transformando o longa em um marasmo
total. As cenas são arrastadas e dificilmente causam impacto no grande público.
Fora que a chance que eles tinha de construir um longa com um roteiro bem amarrado
em suas duas histórias acaba se perdendo devido ao sacrificio que o diretor
causa na busca dos Arikas.
O elenco do
filme merece destaque, temos Leonardo DiCaprio talvez em sua melhor atuação na
carreira, Tom Hardy como o vilão John Fitzgerald consegue fazer com que todos
sintam um verdadeiro ódio pelo seu personagem e na cena final fica impossível
não vibrar no duelo entre ele e o personagem de DiCaprio e o outro destaque vai
para o jovem ator britânico Will Poulter, conhecido pelo seus papeis nas
adaptações cinematograficas de Maze Runner e As Cronicas de Nárnia. Seu personagem
é bem desenvolvido e o ator consegue segurar toda a carga dramatica que lhe
pedem.
Os trinta
minutos iniciais merecem todo o seu destaque pelo simples fato de conseguir um
casamento perfeito entre a direção,
fotografia e encenação. É literalmente um chute na porta que o diretor
escolheu para abrir seu longa. Esse brilhantismo técnico já havíamos visto em
seu filme anterior, Birdman.
A maior parte
das cenas são filmadas em diversos planos longos, sendo que alguns deles
planos-sequencia que apresentam o auxilio de steadicam e de gruas. O trabalho de encenação é perfeito em duas
cenas complexas do longa: a cena do ataque dos Arikas e da ursa. Elas tem o
tempo perfeito para ficar em cena e chocar a plateia. Um fato que devemos
sintetizar é que o diretor optou sustentar boa parte do filme na violência. A
sequencia que Glass luta contra a ursa é uma das mais violentas de todo o
filme, já que sentimos o peso do animal sob o personagem, a respiração vinda de
seu hálito podre. Sentimos também a carne de Glass sendo dilacerada além do som
torturante dos ossos dele sendo quebrados. Parabéns para o diretor que soube
chocar e incomodar a plateia, impossível assistir sem sentir-se incomodado com
o que esta acontecendo.
Se a proposta de
Iñarritu e o diretor de fotografia, Emmanuel Lubezki, é conquistar o Oscar pela
terceira vez consecutiva na categoria de fotografia, eles conseguiram. A dupla
optou usar uma audaciosa e perigosa aposta para o longa: filmar todo ele usando
a luz natural. Essa fato talvez tenha
ajudado O Regresso a ter uma das
fotografias mais sublimes dos ultimos tempos no cinema.
A trilha sonora
é lindíssima, diferente da histérica trilha que foi Birdman, aqui o diretor optou apostar no talento de Ryuichi
Sakamoto. Mesmo tendo uma trilha que aposte nos instrumentos de percussão, a
maior parte dela é composta no violino e seus temas dão um certo romantismo ao
longa.
Talvez O Regresso não alcance a todos os
públicos, pelo fato dele não ser um filme tão comercial como muitos estão
acreditando ser. É um filme mais lento mas que não deixa de ter sua
importância. Suas longas 2h35 são sentidas principalmente em seu segundo ato,
mas que compensam pela brilhante primeira parte. A violência é um dos pontos
mais fortes do filme, principalmente para aqueles mais sensíveis talvez o filme
choque e incomode pelo abuso dela. Mas nada disso vai tirar o mérito que o
longa tem, O Regresso é o melhor filme
do diretor e certamente será um clássico dentro de alguns anos.
Nota: 8.0/10
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